O tempo e a memória de Três Dias de Chuva

escrito por Leandro Reis

fotografias por Juliana Tardunho

“O fundamento do tempo é a memória”, disse o filósofo francês Gilles Deleuze, frase que ganha uma bem conduzida analogia em Três Dias de Chuva, peça escrita pelo americano Richard Greenberg e que está em cartaz no Teatro Raul Cortez.

Em uma tardia leitura de testamento, os irmãos Walker (Otávio Martins) e Anna (Carolina Ferraz), descobrem que o falecido pai, Ned, deixou a maior projeto de sua empresa de arquitetura - famoso ao redor do mundo devido a uma matéria feita pela Times - para Pip, o filho de seu sócio, Theo.

Surpresos pelo fato, eles começam uma série de indagações sobre os motivos que o teriam levado a tomar tal decisão final, curiosidade motivada pela descoberta de um misterioso caderno de anotações deixado por ele.

A alquimia entre os personagens é bem dosada, mas as escolhas dos contrastes pode soar um pouco clichê, pelo menos antes do segundo ato: Walker, o já não tão jovem bem nascido com problemas com relações familiares, que encontra em longas caminhadas sem destino a paz (ou fuga) que tanto procura. Anna, ao contrário, estabeleceu uma família e vive à merce das intempéries do irmão, o eterno caçula.

Pip (Petrônio Gontijo), no cômico papel de um ator de novela, traz uma bem-vinda balança para o conflito entre os irmãos, que por melhor que se sustentem com o texto afiadíssimo na boca dos atores - uma das assinaturas do diretor Jô Soares - começa a se esmaecer em monólogos dirigidos ao públicos que pouco acrescentam à peça ou personagens, e mais parecem uma homenagem a Woody Allen.

Com o trio apresentado, a peça segue em um ritmo mais interessante, explorando o jogo que deve amarrar os três personagens como amigos de infância e conhecendo as nuances mais defeituosas uns dos outros, intimidade somente possível com um longo tempo de convivência. Eles tateiam o passado dos pais, tentando compreender a situação em que se encontram a partir de fantasiosas teorias.

É neste ponto que acontece a virada do disco da peça: a apresentação multimídia, idêntica à utilizada na introdução da peça, é projetada de trás para frente, nos levando à juventude de Ned, Theo e Lina, mãe de Walker e Anna. A quebra da linearidade, que poderia soar como algum final de episódio de Scooby-Doo, quando sabemos quem é o vilão e aguardamos para conhecer seus motivos e métodos, na verdade é um delicado segundo ato que vai nos conduzindo pelo dias que deram origem ao título da peça, traçando um perfil muito concreto dos pais daqueles jovens do início do espetáculo.

As ligações entre ação e consequência, feitas depois de termos visto o “futuro” da vida dos dois jovens arquitetos e da jovem temperamental, poderiam soar moralistas, mas tomam um rumo muito mais realista e menos pretencioso. Afinal, seus pais, jovens como são apresentados, também não haviam programado alguns dos fatos decisivos de suas vidas e que repercutiriam na vida de seus filhos.

É como disse Renato Russo: Você diz que seus pais não te entendem / Mas você não entende seus pais / Você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo / São crianças como você / O que você vai ser / Quando você crescer?. Mas eu também poderia citar aqui a famosa Como Nossos Pais, de Belchior, ou qualquer outra constatação de jovens que perceberam que, apesar da aparente evolução, pouco se muda de geração em geração.

Serviço:

Local: Teatro Raul Cortez

Endereço: Rua Dr. Plínio Barreto 285 – Bela Vista

Estréia: 26/07/2013

Temporada: até 16/12/2013

Horários: sexta, 21h30 / sábado, 21h/ domingo, 19h

Ingressos: sexta e domingo - R$ 60,00 / sábado - R$ 70,00

Bilheteria: 3254-1631

Duração: 85 minutos

Censura: 14 anos

Ficha Técnica:

Texto: Richard Greenberg Direção: Jô Soares Tradução e Adaptação: Jô Soares Elenco: Carolina Ferraz,Otávio Martins,Petrônio Gontijo Assistente de direção: Carol Bastos Desenho de Luz: Maneco Quinderé Cenografia: Marco Lima Música Original: Duda Queiros Figurino: Fabio Namatame Fotografia: Priscila Prade Direção de Produção: Ed Júlio Produção Executiva: Gabriel de Souza Realização: Baobá Produções Artísticas

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