Je suis Charlie
O ano de 2015 mal começou e um trágico acontecimento nos entristeceu: o ataque terrorista ao semanário satírico francês Charlie Hebdo, que resultou na morte de 12 pessoas entre jornalistas e cartunistas, além de policiais. A esse ataque se seguiu outro que resultou na morte de 4 franceses cuja religião era o judaísmo.
O semanário produzia charges que não possuíam como temas apenas o radicalismo islâmico, mas também outras religiões como o judaísmo e o catolicismo, a economia, os governantes. Devido a suas charges Charlie Hebdo já havia sofrido um atentado e estava na lista de procurados pela Al Qaeda. Para alguns esse atentado foi um ataque a liberdade de expressão, para mim essa é uma análise muito superficial da motivação deste atentado.
É preciso olhar além da superfície para tentar compreender o que de fato motivou dois jovens franceses de ascendência argelina e cuja religião era o islamismo a cometerem esses crimes bárbaros. Para mim o objetivo não era apenas ferir a liberdade de expressão e "vingar o profeta" como afirmaram os irmãos Kouachi, mas motivar uma nova guerra ao terror (o discurso de união do presidente francês François Hollande é praticamente o mesmo de George Bush após o 11/09, resta esperarmos para ver se ele seguirá o discurso ou fará como o ex-presidente norte-americano que iniciou várias guerras no oriente médio) e acirrar as diferenças e conflitos entre Ocidente e Oriente Médio.
Os ataques as mesquitas em Paris na madrugada após o atentado, o partido de extrema-direita Frente Nacional Francesa já começar a se utilizar dos atentados para fins políticos, o apoio ao partido anti islâmico holandês Partido da Liberdade atingir seu nível mais alto em um ano após os atentados, a possibilidade do fim do acordo Schengen que permite a livre circulação de europeus nos países membros da União Européia, já demonstra que esse ataque tinha outros objetivos e os está alcançando.
No meio do choque causado pelas mortes muitos estão esquecendo de que os executores dessa ação horrenda são franceses de ascendência argelina e cuja religião é o islamismo e que acabaram sendo aliciados para o extremismo islâmico. A integração de imigrantes e seus descendentes na Europa não parece ser algo tranquilo ou fácil como é em terras brasileiras. Existe grande hostilidade e discriminação em relação aos muçulmanos e isso pode facilitar o aliciamento de jovens por organizações criminosas e extremistas como Al Qaeda e Estado Islâmico. Isso obviamente não isenta nenhum terrorista de sua responsabilidade por seus atos cruéis, mas é preciso ter isso em mente para evitar que novos jovens europeus se juntem a extremistas doentes e deixem de defender e acreditar nos ideais que constituem a base da sociedade democrática européia em que nasceram e cresceram.
As perguntas que os governantes europeus deveriam estar fazendo nesse momento na minha opinião são: o que leva um francês a atirar contra outro francês? o que leva esses jovens franceses se considerarem mais argelinos que franceses? o que leva eles atentarem contra a liberdade de expressão uma das bases das democracia do país onde nasceram e cresceram? Se os governantes e a população européia não considerar tais questões, a possibilidade de organizações criminosas do Oriente Médio atraírem mais jovens europeus para cometerem atos horrendos como esse será cada vez maior e cada ato de terror como o do Charlie Hebdo levará mais e mais parte da população a apoiar a extrema direita.
Eu e o CultFlow repudiamos qualquer ato terrorista e contra a liberdade de expressão. Por isso encerro essa primeira coluna de 2015 com a frase que representa o repudio aos ataques ao Charlie Hebdo: Je suis Charlie
Alexsandro Neves é o editor responsável pelo CultFlow e escreve nesse espaço às terças-feiras.